J. R. Duran | O Papel Conecta

JR Duran além de excelente fotógrafo tem se revelado - pelo menos para mim - um grande escritor. Honesto, correto, coerente e aborda temas de meu interesse.
Nesse texto ele escreve sobre o International Herald Tribune, mas poderia ser sobre qualquer outro jornal ou publicação. Leia e deixe sua opinião.

"é um jornal, e não um computador que me mantém conectado ao mundo"
O universo digital, sabemos todos, é uma constante na vida de qualquer um. Mesmo assim faço questão de começar todas as manhãs de uma maneira que pode ser considerada a mais tradicional possível. Leio os jornais do dia, todos os dias, antes de sair de casa. Poderia ser chamado de vício se não fosse um prazer descobrir o mundo dessa maneira. Um desses jornais, o International Herald Tribune, mede, aberto na mesa, 58 x 70 cm. É mais de 0,5 m2 de informação espalhada como uma bandeira para ser absorvida junto com o primeiro de muitos cafés a serem tomados nas próximas 24 horas. É o papel, e não o computador, que me mantém conectado com o mundo.

O IHT é um jornal curioso. É escrito em inglês, mas a redação fica em Paris e, desde 1980, ele é distribuído e impresso por todo o mundo (1). Por causa disso, e pelo efeito do fuso horário, as notícias que leio de manhã são as que estarão na seção internacional dos telejornais da noite. O jornal não facilita. Seu desenho não faz gracinhas com os títulos, o corpo das letras não é dos maiores e as linhas são apertadas. Mas é um mar de palavras a ser navegado, garimpado e descoberto a cada virada de página. As matérias são todas assinadas, e correspondentes de guerra, espalhados em todas as zonas de conflito – mesmo as mais remotas –, trazem relatos dos acontecimentos em primeira pessoa. Não há como esquecer, quando leio suas aventuras, que meu primeiro devaneio profissional, na minha adolescência, foi o de um dia ser um desses correspondentes que encontro no IHT.

ELEFANTES E GORILAS
Foi através das páginas do IHT que descobri que poderia viajar para Ruanda em busca dos gorilas do parque Virunga e que poderia me hospedar na minha própria cidade, em Barcelona, no Camper – um hotel até então desconhecido por mim. Que descobri faz tempo Water for Elephants (um livro por dia é resenhado no jornal) antes que ele virasse best-seller no New York Times e um filme bombado. Através das colunas de Thomas L. Friedman comecei a entender um pouco melhor os conflitos do Oriente Médio (2). Sem falar em Suzy Menkes, a minha jornalista de moda favorita, que me deixa informado com inteligência, humor e precisão sobre todos os desfiles durante as coleções em Nova York, Londres, Milão ou Paris.

Por ser distribuído no mundo inteiro, o IHT pode ser encontrado em qualquer canto do planeta. Posso encontrá-lo em qualquer companhia aérea, qualquer saguão de hotel, fazendo com que não perca o controle da informação internacional, à minha maneira – segurando as páginas de um jornal –, mesmo que esteja em trânsito constante. Porque, seja na sala de jantar de minha casa, seja no mais distante quarto de hotel, seja numa banca repleta de jornais locais em qualquer cidade do interior da França no verão europeu, o IHT estará lá. E com ele um pedaço dos meus sonhos; do passado e do meu futuro.
(1) Isso quer dizer que o International Herald Tribune, fundado em 1887, se tornou global muito antes de a internet acontecer.
(2) Thomas L. Friedman ganhou pelo International Herald Tribune duas vezes o prêmio Pulitzer de Jornalismo: em 1983 pela sua cobertura da Guerra do Líbano e em 1988 pela sua cobertura sobre Israel.
*J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escrito
(texto publicado na Trip de maio 2011)

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