Talento Não É Luxo


Há os que usam o talento para enriquecer e os que se usam para enriquecer seu talento.

Caro Paulo, Meu pai falava: "Quem trabalha muito não tem tempo de ganhar dinheiro". Dizia isso para me explicar por que a gente não era rico como eu esperava que fôssemos. Na época, não entendia muito bem. Talvez pela inteligência da frase. Ou porque não soubesse o que fosse "trabalho". Hoje entendo a frase, sei o que é trabalho e não concordo com meu pai – apesar de achar a frase verdadeira para quem, como ele, convivia muito próximo do mercado de capitais.

Aprendi que riqueza se constrói com talento e trabalho. Mesmo herdeiros, quando não colocam talento e trabalho sobre sua fortuna, não mantêm sua riqueza e não se realizam como indivíduos. Talento é dom: é facilidade de fazer alguma coisa.

Talento para educar, para gerenciar, para construir, para pintar, para escrever, para imaginar, para controlar, para brincar, para divertir, para distrair, para pensar; cada um de nós tem facilidade para fazer alguma coisa. Todos temos. O talento é dado, não se conquista. A gente nasce com ele, por isso se fala que a criança tem queda para isso ou para aquilo. A queda é a tal facilidade. Talento é dado, mas se desenvolve.
E é aí que entra o trabalho. Observo que a satisfação e a realização no trabalho dependem da atitude que se tem perante o talento que recebemos ao nascer. Há os que usam o talento para enriquecer e os que se usam para enriquecer seu talento.

NÃO SE PREENCHE VAZIO COM RIQUEZA
Lembra do filme Amadeus? Salieri usava seu talento para ganhar poder e riqueza, mas vivia insatisfeito por não conquistar a admiração de sua época. O seu contemporâneo Mozart, ao contrário, se colocava a serviço de seu talento e assim criou uma obra que encantou sua época, as que se seguiram e seguirão. Ao falar de talento para a música corro o risco de parecer que só as artes exigem talento. Não.

Refiro-me a qualquer tipo de facilidade. Por exemplo, o talento da Chica faxineira, que trabalhou para nós durante décadas. Nordestina atarracada, teve 13 filhos de um marido que não ajudava muito no sustento da família e da casa. Na última vez que a vi, contava orgulhosa que todos eles já eram doutores.

Chica faxinava com talento e sem lamento. Arregaçava as mangas e metia-se a trabalhar no ritmo das músicas de um radinho de pilha que ela enfiava nos peitos fartos da mãe que amamentou 13. Sabia organizar seu trabalho de maneira tão inteligente que chegou a fazer faxina em três casas num só dia. E sempre irritantemente bem-humorada e animada.

Mesmo depois de justamente aposentada, a gente chamava a Chica para uma ajuda especial e lá vinha ela com seu radinho, sua eficiência, seu bom humor e suas histórias de sucesso. A Chica era queridíssima e realizada.

Para mim ela é referência de quem não brigou com os limites e os talentos que a vida nos impõe. A vida nos impõe talento, como se fosse um contrato: você nasce com esse dom para fazer um trabalho necessário para sua época e para a sua felicidade pessoal – de faxina a música.

Então a gente tem que entregar aquilo para o que fomos equipados. Se você não entrega, fica devendo; e aí aquela sensação de nãorealização do próprio potencial toma conta da gente com um vazio tão grande que não há o que o preencha. Claro, como esse vazio é virtual, não tem riqueza material que seja suficiente para preenchê-lo.

Com o tempo, é possível que uma pessoa assim fique muito rica, amarga e triste. Rica porque vai trabalhar muito para preencher o tal vazio; amarga e triste porque não vai conseguir. Quando a pessoa realiza seu potencial e fica rica, junto com seu desenvolvimento e enriquecimento vem também o sentimento de desapego e generosidade, como se ela já tivesse mais que o necessário para ser feliz.

Conheço muita gente dos dois tipos e posso garantir que o segundo tipo são pessoas bem mais interessantes, leves e divertidas, como a Chica faxineira e o músico Mozart. Aliás, tenho saudades da Chica. Perdemos contato com ela. Se você tiver alguma dica de seu paradeiro, lembre-se de mim.
Meu abraço,
Ricardo

Ricardo Guimarães, presidente da Thymus Branding.
Publicado na revista Trip de outubro de 2007

Comentários

Diego Basanelli disse…
Ricardo, belo texto. E faz muio sentido nesse momento da minha vida. Grade abraço.
Diego